A Nudez na História da Vida Privada
Henrique FerrazEstudante de Arquitetura e Urbanismo da EESC-USP - Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo
Nadime L'Apiccirella
Estudante de Psicologia da UFSCar - Universidade Federal de São Carlos.
Da Renascença à Revolução Francesa
Evidentemente,
é sobre o corpo que as normas da civilidade se exercem com maior rigor. Não é
ele ao mesmo tempo a base das paixões, uma incansável moralização das condutas
ordena que se esqueça o corpo e respeite a presença divina. Ela traça um
caminho difícil e cheio de contradições. "Foi o pecado que nos impôs a
necessidade de vestir-nos e cobrir de roupa nosso corpo", portanto a vestimenta
deve obedecer a uma norma religiosa e moral que em todos os casos associa a
nudez ao pecado original.
Em
determinados casos essa evolução sobre o corpo e a nudez começou muito antes do
século XVIII. A decência específica, exigida na época de início, era que
"algumas partes do corpo o pudor natural nos leva a esconder".
Depois, a relação com o corpo ficou mais severa: É muito honesto para uma
criança pequena manusear suas partes pudentas, mesmo com vergonha e pudor.
Mas
tudo não passa de uma única teoria: "O julgamento moral está totalmente
integrado à experiência corporal". Ainda que se trate aqui de uma função
considerada vil e repulsiva, no entanto com relação aos gestos mais cotidianos,
progressivamente, se impõe uma distância que, do corpo ao corpo, tende a intercalar
o espaço neutro de uma tecnologia que governa a ameaçadora espontaneidade da
sensualidade. Assim como quando se está deitado, não se devia deixar que as
cobertas sugerissem a forma do corpo, assim como, "quando sair da cama não
se deve deixá-la descoberta, nem colocar a touca de dormir em algum assento ou
outro lugar onde outros possam vê-la. A vigilância se tornou tão estreita que
acabou proibindo toda relação imediata consigo mesmo: o decoro exige também
que, ao nos deitarmos, escondamos de nós mesmos o nosso corpo e evitemos
lançar-lhe até os menores olhares". Negação radical de qualquer
intimidade.
Às
vésperas do Iluminismo, toda uma gama de práticas corporais cai, assim, numa
clandestinidade furtiva, vergonhosa. Organiza-se ao redor do corpo uma esfera
do silêncio e do segredo. Do privado ao público, do íntimo ao secreto: não
forçaremos porém, as linhas de uma evolução extraordinariamente complexa. Se é
clara a direção em que os comportamentos mudam entre o século XVI e o começo do
XIX, tais transformações se efetuaram em rítmos e segundo cronologias muito
variáveis. As funções corporais logo são subtraídas ao campo da civilidade.
Do
final da Idade Média a meados do século XVIII, nossos tratados em particular
ignoram o corpo, à exclusão do rosto e das mãos, que são as únicas partes
expostas. Os cuidados concentram-se no visível, na roupa e, sobretudo, na roupa
branca, cujo frescor ostentado na gola e nos punhos constitui sinal autêntico
do asseio. Porém, ao mesmo tempo, é inseparável de uma idéia do corpo que
rejeita a água como um agente perigoso, suscetível de penetrar por toda parte.
A
higiene reabilita a intimidade corporal. Enfocada pela medicina e depois levada
às escolas, logo se tornará, aliás, o dispositivo inédito de uma forma de
controle coletivo dos comportamentos. Vemos que a socialização das técnicas do
corpo, por mais que sejam expressamente reguladas, na verdade, só conseguem
impor-se através de registros de representações e de práticas estabelecidas, ao
mesmo tempo que ultrapassam o campo específico da civilidade.
A
roupa foi usada com a função de esconder a superfície do corpo. Mas faz
da corporal o objeto de investimentos autônomos. A história do asseio não é intimidade
isolada, em todo caso, convida a reconhecer no mundo dos gestos reprovados a
outra forma silenciosa de intimidade.
Veyne,
Paul. História da vida privada: do
Império Romano ao ano Mil. Companhia
das letras, 1990, 14ª edição.
Duby,
Georges. História da vida privada: da
Europa Feudal à Renascença. Companhia
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da vida privada: da Renascença ao Século das Luzes. Companhia das letras, 1991, 8ª edição.
Duby,
Georges, & Aries, Philippe. História
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Antoine, & Vincent, Gerard. História
da vida privada: da Primeira Guerra aos dias atuais. Companhia das letras, 1995, 1ª edição.
© Revista Eletrônica de Ciências -
Número 21 - Agosto / Setembro de 2003.
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